segunda-feira, 13 de julho de 2015

Plantando coqueiros em meio ao caos

O dia amanhece no Jardim de Alah. Carros passam apressados, buzinas gritam histéricas. Este senhor, no entanto, consegue abstrair por completo aquela situação de caos ao redor, escolhe o exemplo dos coqueiros e, em plena calçada, permanece como eles, durante todo o tempo em que o trânsito, travado, me permite observá-lo. Talvez assim, de cabeça pra baixo, o mundo realmente faça mais sentido...

Quem quiser saber mais sobre esse ser tão intrigante, é só dar uma olhada nesse vídeo postado no youtube, no qual há imagens sensacionais e entrevista com o próprio.

sábado, 11 de julho de 2015

O `Choro do Uirapuru´ e a sensação de unicidade

Assisti ao espetáculo "Choro do Uirapuru & Perfilino Neto”, apresentado dia desses no Teatro do Irdeb com entrada franca. Saí de casa pra assistir a um show de choro, mas a beleza, a sinceridade e a entrega que vi naquele palco me fizeram viver muito além de uma experiência musical. Pela primeira vez na vida, senti a sensação de unicidade em cada um dos meus poros. Não me via mais como Silvana Malta. A sensação de “eu”, que me separa do “outro”, simplesmente desapareceu, e me reconheci em absolutamente tudo ao meu redor. Na alegria e na leveza de Ana Tomich (voz e pandeiro). No dedilhar cortante de Carlos Chenaud (violão de 7 cordas). Na emoção contida de Perfilino Neto (radialista, com 52 anos de profissão e vasto conhecimento sobre o choro, que narrou histórias fascinantes sobre o gênero nos intervalos entre as canções). Na moça obesa que sentou ao meu lado com muita dificuldade porque as poltronas eram estreitas demais pra ela. Na criança inquieta com chapéu panamá. Nos compositores e intérpretes já falecidos que eram exibidos em fotografias projetadas ao fundo do palco enquanto suas músicas eram ali tocadas. No adolescente que entrou em crise (autismo?) durante a apresentação e precisou sair. Na senhora que o acompanhou. Em "Seo" Cacau (Carlos Cruz, pandeirista do grupo "Os Ingênuos”, principal responsável pelo movimento de choro em Salvador), que foi homenageado ao final e convidado a tocar. Nossa... "Seo" Cacau, um senhor já bem idoso, parecia um menino serelepe no palco, tamanha era sua empolgação. Ele e o pandeiro também eram um só naquele momento. Na saída, com uma sensação imensurável de gratidão, caminhei pelo Irdeb e me vieram imagens e sensações de quando trabalhei ali há exatos 20 anos, como repórter estagiária da TVE. A lembrança mais forte foi a da ansiedade que sentia na época, ansiedade que vinha do medo de não conseguir me destacar profissionalmente, de não vir a ser “alguém”. E aí me senti ainda mais grata! Porque, 20 anos depois, eu estava ali, naqueles mesmos corredores, me sentindo imensamente feliz justamente por não ser “ninguém”, por ter me libertado desta armadilha do meu ego, por todas as escolhas que fiz na vida e que me levaram até aquele show, tendo aquelas percepções sobre as quais tentei escrever agora.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Rabino Súcia, a terceira pergunta e o processo de ampliação da consciência

O rabino Súcia passou a vida inteira ensinando sobre o viver e o morrer. O tempo foi passando, ele ficou muito doente e, desde então, passou a apresentar um comportamento estranhamente introspectivo. Seus discípulos, preocupados, tomaram coragem e resolveram questioná-lo:
- Rabino Súcia, o senhor está com medo da morte?
E ele respondeu:
- Da morte propriamente, não. Mas tenho medo da terceira pergunta.
- Da terceira pergunta? O que isso significa?
- É que, quando se morre, vem uma luz. E, dessa luz, uma voz, que é a voz de Deus. E ela vai me perguntar: “Rabino Súcia, por que você não foi tão sábio quanto Salomão?”. Será a primeira pergunta e essa eu saberei responder: porque eu não sou Salomão.
- A segunda pergunta será: “Rabino Súcia, por que você não foi um grande conquistador como Alexandre, o Grande?”. A essa pergunta, eu também saberei responder: porque eu não sou Alexandre, o grande.
- E então virá a terceira pergunta: “Rabino Súcia, por que você não foi Súcia?”
Essa história foi contada dia desses pelo professor de Filosofia da Ufba, José Antonio Saja, durante uma defesa de dissertação sobre `o processo de ampliação da consciência´ (de autoria da terapeuta Flávia Nunes, no Mestrado Profissional Multidisciplinar em Desenvolvimento Humano da Fundação Visconde de Cairu) na qual ele fez parte da banca examinadora. “Ou seja, por que Saja não é simplesmente Saja? Eu não preciso ser como Salomão ou `Alexandre, o Grande´, mas é meu dever essa ampliação da consciência do EU SOU. Sem isso, não podemos enfrentar o desafio de transformar o mundo”, enfatizou.
Para ele, a dissertação apresentada contribui para esse um novo tempo, um novo paradigma na produção do conhecimento. “Percebo que esta tese é proveniente de uma vida, tem o coração e as digitais de quem a escreveu. E, principalmente, tem a pegada do risco, ao propor uma quebra das fronteiras, a integralidade. A ciência acumulou conquistas brilhantes ao longo dos séculos, mas de forma separada, compartimentalizada, o que criou um saci pererê. Está faltando a outra perna. Então vamos colocá-la! Esse é o movimento que fará com que a humanidade, finalmente, se reconheça”, completou.
Segundo a orientadora da dissertação e coordenadora do mestrado, Maribel Barreto, a fala de Saja mostra que, apesar dos estudos sobre consciência não serem algo recente, estamos vivendo uma nova fase, pois nunca se teve tanta abertura para tratar de consciência no meio acadêmico. “Temos que aproveitar essa onda. Não temos como evitá-la. Ela já está aí e nos envolve em suas diversas camadas. Temos que surfar em sua crista. Mas, para isso, também temos que lidar com a sua profundidade, no qual corrermos riscos - porque mergulhar não é simples, pressupõe também a possibilidade de nos machucarmos nos corais submersos. É superioridade e inferioridade, nosso máximo e nosso mínimo, nossas fraquezas e nossas potencialidades. Estamos numa fase em que podemos enxergar tudo que ainda é limite, mas, ao mesmo tempo, com toda a nossa força”.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Devaneios sobre o tempo

Um homem observa da janela uma paisagem totalmente coberta de neve, quando percebe ao longe um chapéu vermelho contrastando com a imensidão branca. A presença inusitada daquele objeto lhe desperta uma enorme e imediata curiosidade. “A quem será que ele pertence? Como foi parar ali?”, pergunta-se enquanto cede à irresistível tentação de chegar mais perto. Já com o chapéu nas mãos, vê, mais adiante, uma moça caminhando apressadamente em direção a uma casa isolada no alto de uma colina. “É ela”, pensa. “A linda moça de cabelos castanhos e olhos de chuva que encontrei outro dia na vila, lendo cartas antigas numa feita de antiguidades”. Ele tem alguns segundos pra decidir o que fazer. Segue a mulher para devolver-lhe o chapéu? Leva-o pra casa e o oferece de presente a alguém especial? Deixa-o ali mesmo, no chão, sem interferir em seu destino?
Calma, isso não é um teste de ética. É só algo para fazer pensar sobre as infinitas possibilidades que a vida oferece o tempo todo, a cada momento em que temos que tomar decisões, por mais simples que pareçam, e que podem determinar todo o nosso futuro. Se o homem escolhesse entregar o chapéu, a moça poderia, em sinal de gratidão, oferecer-lhe uma xícara de chá, marcando o início de um tórrido romance. Caso o levasse pra casa e o oferecesse à mulher com quem vive há 19 anos, poderia lhe causar tamanha surpresa e emoção, ao ponto de fazê-la olhá-lo novamente como na época em que se conheceram, evitando, assim, o fim do casamento. E, na hipótese de deixar o chapéu no lugar onde achou, poderia estar dando a chance de uma outra pessoa encontrá-lo e devolvê-lo, alguém que viria a ser o grande amor da moça, como aqueles que ela fantasiava, quando lia as cartas.
Agora imagine se houvesse um mundo em que nós não precisássemos escolher, onde todas estas situações acontecessem de forma simultânea, em dimensões paralelas. Nós nunca precisaríamos nos perguntar sobre como teria sido a nossa vida se tivéssemos escolhido esse ou aquele caminho porque teríamos percorrido todos. Não existiria ansiedade nem arrependimento. Agora eu pergunto: quem garante que isso realmente não acontece? que nós não vivemos simultaneamente em várias dimensões? Vai ver que apenas não nos lembramos das múltiplas experiências que temos... Pensar nessas coisas, nos mistérios do tempo e do espaço, é, no mínimo, perturbador, não? Mas é algo que adoro fazer, principalmente depois que li uma obra de ficção chamado Sonhos de Einstein, do escritor/astrofísico norte-americano Alan Lightman.
O livro é voltado muito mais para a capacidade de cada leitor de imaginar o tempo do que para a figura de Albert Einstein. São 30 capítulos, com três páginas cada, escritos em forma de minidiário. Neles, o autor imagina sonhos incomuns que o jovem cientista teria tido em trinta noites seguidas, após registrar patentes e trabalhar em teorias. Nestes sonhos, verdadeiros poemas em prosa, o tempo pode ser circular, descontínuo, lento. Pode andar para trás, tomar a forma de um rouxinol, ser percebido através das sensações e transcorrer todo num único dia - nascimento, vida e morte. Uma leitura leve e agradável, apesar do conteúdo inquietante, que nos faz pensar no que poderá ser realmente O Tempo e cujos capítulos nos oferecem mundos credíveis, nem que seja no universo onírico.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Para Carlos e Alessandro


Ao fugir da cidade cenográfica que meu pai construiu pra me proteger das coisas do mundo (piadinha infame do velho Cláudio Escória) e chegar a Salvador, tive a sorte de encontrar alguns seres de sensibilidade especial que me mostraram o caminho das pedras mais preciosas. Aquelas de brilho intenso e raro, as quais, talvez, eu jamais teria acesso se não tivesse rompido, à la “The Truman Show”, o campo de força santoantoniense. A primeira delas foi logo a banda escocesa Cocteau Twins.

Os entendidos costumam definir esse trio - formado por Elizabeth Fraser (vocais), Robin Guthrie (guitarra) e Simon Raymonde (baixo) - este último, precedido por Will Heggie - como uma banda criada no pós-punk, de influências góticas, dream pop e darkwave, que marcou os anos 80 com o seu som melancólico, ao lado dos Dead Can Dance e This Mortal Coil, e que é a precursora do estilo ethereal.

Pra mim, soa mais como algo atmosférico, onipresente, enigmático. Guitarras minimalistas, baixo climático e vocal incomparável, de timbre delicado e alcance absurdo, entoando frases simplesmente incompreensíveis. Algo de origem celta? A ausência das letras nos encartes dos discos é emblemática: para o grupo, a sonoridade das palavras parece importar muito mais do que seu significado.

Quinze anos se passaram e o Cocteau Twins continua no meu top ten dos grandes guardiões das portas da percepção. Para a cena independente britânica, a banda também tem uma importância imensa, estando entre os maiores nomes (ao lado de New Order e The Smiths) no que diz respeito a vendagens e lançamentos. São 11 discos originais e10 EP´s gravados entre 82 e 96.

O álbum Treasure, lançado em 84, é considerado a grande obra-prima do grupo, mas tenho uma paixão pra lá de especial pelos dois últimos: Four-Calendar Café e Milk & Kisses, além do EP Twinligths, de 95, que foi trilha sonora de muitos finais de tarde - assistindo ao pôr-do-sol, sozinha, da janela do meu antigo esconderijo no “cortiço” São Brás e agradecendo Àquele que escreve certo por linhas tortas por ter, finalmente, achado o meu lugar.


PS. Fiz uma seleção das músicas que eu MAIS gosto do Cocteau. São nove faixas ao todo. Quem quiser baixar, é só clicar aqui.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Nothing compares

Aposto. Não há quem não tenha se apaixonado em 1990 pelos olhos tristes de Sinead O´Connor nesse clipe. E quem não sinta até hoje um friozinho na barriga ao assisti-lo.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Imagens ecológicas com um toque de ironia

Caramba, mais de um mês sem postar. E o mais incoerente de tudo: ESTOU DE FÉRIAS! Vai entender... Pra quebrar esse iceberg, algumas metáforas visuais e ecologicamente irônicas da dupla norte-americana Robert & Shana Parkeharrison.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Lançada campanha pela volta dos Mizeravão


Se hoje fosse dia de show dos Mizeravão, com certeza, eu estaria mais feliz. Essa “quadrilha de meliantes etílicos”, como eles mesmos se definem, tem o poder de desfazer minha cara sisuda e desconfiada, mesmo que eu queira mantê-la a qualquer custo! Quantas vezes fui assisti-los determinada a não pagar mico, mas quando me dava conta, já estava lá no gargarejo, que nem criança, me acabando de rir e de pular, sempre ao som de versões rock´n´roll de clássicos da minha infância como “Uni duni tê” (Trem da Alegria) e “A guerra dos meninos” (Roberto Carlos).

O segredo pra entrar na viagem é encarar as apresentações não como shows de rock, mas como shows de comédia rock´n´roll - não só por conta do repertório inusitado e das versões hilárias que os caras fazem, mas, principalmente, pelo humor irreverente e escrachado do vocalista, Lionman. Dono de um carisma sensacional e, por que não dizer, de um grande talento como ator, Lion domina a platéia sem fazer esforço algum, disfarçando a rabugice que lhe é peculiar e interpretando o divertidíssimo personagem de forma irretocável.

O resultado é uma festa e tanto, com meninas deixando a pose de lado e formando trenzinhos pelo salão; e marmanjos cabeludos e com cara de mau trocando afagos e se abraçando emocionados. Todos parecem voltar ao tempo em que eram guris nos anos 80 e ouviam aquelas músicas no radinho FM de casa ou do carro da família. O grande mérito dos Mizeravão pra mim está justamente nessa possibilidade que oferece ao público de curtir aquelas canções, tão marcantes num passado distante, com os amigos de hoje, numa confraternização que chega a ser comovente de tão sincera, vibrante e espontânea.

No repertório, pra mais de duas horas de show, o Rei tem espaço garantido, com direito ainda a “O Portão”, “Amigo” (Você/ meu amigo de fé/ meu irmão camarada...) e “Não serve pra mim”. Uma seqüência matadoura de Sidney Magal, que inclui “Tenho”, “Sandra Rosa Madalena” e “Meu sangue ferve por você”, também leva a galera à loucura. Rolam ainda Ultrage a Rigor (“Inútil”), Fábio Júnior (“Quando gira o mundo”), Queen (“I want to break free”), Balão Mágico (“Super-fantástico”), além de covers do Kiss, Lynird Skynird e AC/DC. Destaque para a versão da disco “Born to be alive” (não me lembro agora quem canta a original), em que Lion arregala os olhos e faz o maior terror, intercalando reboladinhas desengonçadas e movimentos de ginástica aeróbica.

Como fazem desde que a banda começou há cerca de 10 anos, os caras resolveram tirar férias uns dos outros. Desta vez, o recesso foi decretado no final do ano passado, logo após o lançamento de um “DVD Pirata Eletro Acústico”, gravado na Boomerangue. A banda é composta por Wally Beerman (ex-Anschluss, Veuliah e Malefactor) na guitarra; Marcinho (ex-Veuliah e Cirrus) no baixo; Jedernight (ex-Thor, Los Merengues e Lobo Guará) na batera; e Lionman (ex-The Harrys, Shadows, Los Merengues e Drearylands e atual Mortícia) nos vocais. Bom, e já que eu dei o braço a torcer e admiti aqui minha dependência química dos Mizeravão, lanço uma campanha para acelerar o retorno dos caras. Quem me apóia?

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Eles ganharam o mundo!!!


Uma pequena homenagem ao Dois em Um - dupla de Salvador, formada por Luisão Pereira e Fernanda Monteiro, que acaba de ser contratada por um selo de Nova Jersey (EUA) e terá seu primeiro CD lançado em agosto em toda a América do Norte. A obra, produzida no aconchego do lar do casal, é repleta de grandes canções, que fazem minhas pálpebras se fecharem ao primeiro acorde e me conduzem imediatamente a um outro tempo, outra dimensão, em que tudo se passa de um jeito mais lento e, ao mesmo tempo, tão intenso!!! A música que eles fazem é simplesmente inclassificável. É preciso escutá-la. Chego a desfalecer. Amo.

sábado, 17 de maio de 2008

Bird girls can fly

Permitam-se conhecer Antony and the Johnsons e irão compreender definitivamente o que é sentir prazer com a dor. Nada de auto-mutilação, sadomasoquismo, amores platônicos e outras tentativas inúteis de preencher o vazio da existência castigando a si mesmo. Antony canta a dor em estado puro e doses cavalares, mas de um jeito redentor, que nos eleva e purifica o espírito. Feche os olhos e sentirá sua alma flutuando em águas mornas, após expurgar tudo aquilo que lhe aprisiona. É provável que algumas lágrimas invadam seu rosto. Mas logo darão lugar a um sorriso brando, que se abrirá como as asas de um pássaro.
Duvidam? Pois Antony fez Lou Reed chorar quando ouviu pela primeira vez a versão que ele fez para Candy says, gravada em seu álbum de estréia – lançado em 2003, levando o nome da banda. A música foi composta pelo líder do Velvet Underground em homenagem a Candy Darling - uma drag star, musa de Andy Warhol, que morreu em 1974 em decorrência de leucemia e AIDS. A partir daí, Lou Reed passou a considerar o cara como o legítimo herdeiro das dores e sofrimentos vividos por quem conheceu o espírito pré-punk e o convidou para participar do álbum The Raven, também de 2003, reinterpretando Perfect Day. Em retribuição, Antony estampou na capa e encarte do seu segundo disco uma foto de Candy Darling com maquiagem impecável e em seu melhor vestido, aguardando a morte iminente num leito de hospital.
Diria que este CD, entitulado I´m a bird now, é uma das coisas mais belas e extraordinárias que eu já ouvi. Foi com ele que Antony arrebatou o Mercury Prize 2005 – mais prestigiado prêmio da música britânica, que privilegia a originalidade e criatividade em detrimento de resultados comerciais - desbancando concorrentes como Coldplay, Kaiser Chiefs e o favorito, The Killers. O disco é repleto de participações especiais, a começar pela do próprio Lou Reed, na faixa Fistfull of love. Boy George, uma das maiores referências de Antony, também está presente, dividindo com seu discípulo a canção You are my sister, além de Rufus Wainright na adorável What can I do e do folk-místico Devendra Banhart em Spiralling.
A interpretação arrebatadora e a voz forte e rouca (ao mesmo tempo, doce e sensível) de Antony e a sutileza e refinamento dos arranjos (uma mistura inusitada de guitarra-baixo-bateria com cello, violino e sopros, além de uma deliciosa melancolia permeando cada acorde de piano) nos faz abstrair por completo a natureza transexual de quem está por trás desta obra-prima. Melhor ainda, uma vez tocados pela grandiosidade, generosidade e sinceridade artísticas de Antony, conseguimos compreender verdadeiramente e até dividir com ele o "fardo" que tanto o atormenta e inspira: a sensação de estar preso a um corpo masculino, com a alma ansiando por liberdade. Ouçam a última faixa do disco, entitulada Bird Gerhl. Com certeza, entenderão.

quarta-feira, 30 de abril de 2008

O último blues

Meu querido amigo e bluesman favorito, Jean Mitchell , se foi. A esta altura, desejo que esteja cantando “I feel good” ao lado de James Brown - já que penou durante mais de um mês no hospital das Obras Sociais Irmã Dulce, desde que foi encontrado por uma ambulância do SAMU, desacordado sob um temporal nas ruas do Centro Histórico, onde estava vivendo há meses em situação de indigência.
As lamentações, apesar de inúteis, eu sei, são inevitáveis. Não tinha notícias de Jean há uns dois anos. Penso que, se eu tivesse procurado saber de sua situação atual antes, talvez pudesse ter ajudado a encontrar um lugar para ele ficar, pra ele cantar, sei lá. Mas quando tive a iniciativa de perguntar aos caras da Jean Mitchell Blues Band sobre o seu paradeiro, infelizmente, ele já estava internado.
Ainda tive tempo de visitá-lo três vezes. Nas duas primeiras, ele parecia estar melhorando, chegou a sentar na cama e até cantar comigo algumas músicas do seu antigo repertório. Já no último encontro, percebi que algo estava diferente. Ele parecia distante, desinteressado. Levei uma matéria bacana que o jornal A Tarde havia publicado neste dia sobre ele, mas nem isso o fez retornar.
Poucas horas mais tarde, fui informada pelo Serviço Social da Osid que Jean havia piorado, estando agora em coma induzido e respirando através de aparelhos. A partir daí, passei a me preparar para o pior. E foi o que aconteceu. Ele veio a falecer ontem à noite, às 23h30, vítima de infecção generalizada decorrente de um quadro de hepatite alcoólica e desidratação.
A voz de Jean era algo fenomenal. Vinha das entranhas. Como bem definiu Zezão Castro na matéria de A Tarde, “esbanjava uma vocalize que lembrava Rod Stewart no timbre e Ray Charles no poderio”. Quem o viu no palco, sabe do que eu estou falando. Quem não viu, pode ter certeza que deixou de viver uma das experiências mais sensacionais de sua vida.
Dói saber que nunca mais vou poder vê-lo cantar e que ele morreu por falta de oportunidades. Jean era o melhor e essa Bahia de merda não soube reconhecer seu talento. Dói ter lhe negado os dois cigarros que me pediu, quando perguntei o que ele gostaria que eu trouxesse na próxima visita. Dói ter que parar de escrever para ir ao seu enterro.

P.S. Jean gravou 10 músicas com a banda dele ao vivo em estúdio em 2000, com vários clássicos do blues e do soul. Elas estão disponíveis para download gratuito na página de Jean na Last FM. Basta se cadastrar lá.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

"I want to rock so softly"

Passou pelo meu radar um duo norte-americano bem bacaninha, que lembrou minha adorada Cowboy Junkies e também The Sundays, principalmente pela suavidade de suas canções. Pia e Jason Robbins se auto-intitulam The Comforters e definem o som que fazem como "a piano, a acoustic guitar and lots of trees".

O álbum de estréia, Transplants, foi lançado em 2006 e o segundo está sendo finalizado num estúdio na pequena cidade de Eugene (Oregon), onde o casal vive e tem feito seus shows. A voz de Pia, que canta todas as músicas, é algo entre Aimee Mann (aquela da trilha do filme Magnólia) e Jewel. Algumas faixas do primeiro disco estão disponíveis para download na Last FM.
Não são muito conhecidos, nem mesmo na net. Para se ter uma idéia, o perfil do The Comforters no myspace não chega a 30 mil acessos e a página na Last FM tem pouco mais de 400 ouvintes. Eu mesma só descobri a dupla por acaso, ouvindo a rádio dos artistas parecidos com meu duo favorito, o Dois em Um (já falado em um post exclusivo aqui no blog).
Como principais influências, o casal destaca Wilco, Ron Sexsmith, Nick Drake, The Byrds, Elliot Smith, Brian Wilson, Big Star e Neil Young. Nada mal, né? Dá uma olhada nesses vídeos abaixo! coisa bem caseira, mas de uma beleza só.


E falando na rádio dos artistas parecidos com o Dois em Um, foi lá também que eu achei algo, talvez, tão legal quanto The Comforters: a banda francesa Loons. As únicas coisas que eu sei à respeito até agora é que o som é indie/pop/acústico e que seus integrantes formam, hoje, as bandas "Flowers From The Man Who Shot Your Cousin" e "Cowbird"(que eu também não conheço). No entanto, pelo pouquinho que ouvi, acho que vale a dica.

sábado, 5 de abril de 2008

O preço das escolhas





Nobreza ou covardia? O que leva alguém a abrir mão de um amor daqueles que só acontecem uma vez na vida? Sou uma romântica irremediável e morro toda vez que assisto à cena final de “As pontes de Madison”. Caso você não tenha visto o filme ainda, decida agora se quer mesmo ler esse post, pois não pretendo te poupar de nenhum detalhe magistralmente incluso no desfecho desta obra-prima do cinema.

Há quem ache que “As pontes de Madison” não passa de mais um filme meloso, banal e piegas. Eu, no entanto, o tenho como meu favorito - ontem, hoje e sempre - não só pela carga dramática da história e pela intensidade com que ela é contada, mas, principalmente, pela sensibilidade do diretor, Clint Eastwood, que consegue comover o mais duro dos corações de forma sutil, singela e incrivelmente bela.

No filme, o velho Clint interpreta Robert Kincaid – um fotógrafo da revista National Geografic que chega ao Condado de Madison (Iowa/EUA) para registrar as pontes cobertas do local e, lá, acaba encontrando o verdadeiro sentido de sua existência em Francesca Johnson, uma pacata dona de casa de origem italiana cujos sonhos estavam adormecidos pela rotina de cuidar do marido e dos filhos adolescentes sem ser notada em sua essência.

Nada mais inconcebível, não? Um cara que já rodou o mundo inteiro, que conheceu mil pessoas “interessantes”, que viu tudo e mais um pouco, se apaixonar por uma mulher que, aparentemente, nada tinha a lhe acrescentar. E é aí que está outro grande mérito do filme. Os personagens e diálogos são tão bem construídos que o espectador consegue não só compreender perfeitamente o que está acontecendo, como sentir na pele todo o encantamento que ilumina e toda a angústia que corrói os protagonistas.

Na manhã em que Robert chega ao condado, Francesca está só. O marido e os dois filhos do casal foram participar de uma exposição de animais num condado vizinho e só voltariam quatro dias depois. Robert tem dificuldade de encontrar uma das pontes que foi fotografar e resolve pedir informação a uma das poucas almas vivas que encontrou no local – uma senhora de meia-idade, de cabelos desgrenhados e aparência cansada, que varia a varanda de casa.

Francesca não tarda a cair de amores por aquele homem charmoso, gentil, divertido, que a enxergava como um raio de luz por entre as árvores secas. Os dois acabam se envolvendo. A leveza do começo, no entanto, vai dando lugar a um tormento crescente. Eles sabiam que, enquanto o amor se agigantava, o tempo que tinham para ficar juntos era cada vez menor. Francesca, no auge de sua insegurança e desespero, agride Robert, dizendo que ele vai esquecê-la assim que deixar o Condado e receber uma nova pauta da revista, enquanto ela terá que viver das lembranças daquele amor até o fim dos seus dias naquele lugar onde nada acontecia. Nesse momento, ele olha no fundo dos olhos dela e acaba de vez com qualquer resquício de dúvida, respondendo com a voz embargada e absoluta convicção: “Como assim? Tenho certeza de que tudo que eu vivi até hoje só aconteceu pra que eu chegasse aqui”.

Quatro dias se passaram. A família de Francesca está prestes a chegar. Robert hospeda-se numa pousada, enquanto aguarda a decisão da mulher da sua vida. Partirá com ele sem olhar para trás ou ficará com o marido e os filhos para poupá-los das consequências desse abandono? “Eles não sobreviveriam à fofoca. E eu, à culpa”, disse ela, numa de suas conversas com Robert sobre a possibilidade de fugir.

Extremamente abatido, com o coração em frangalhos, Robert desiste de esperar e resolve ir embora. Na saída da pousada, sob uma forte chuva, ele vê Francesca dentro de um carro estacionado, no banco do carona. Ela também o vê. Ele permanece sob a chuva durante alguns segundos, de pé, de frente para o carro, olhando-a fixamente. Ela chora. O marido chega com as compras, senta-se no banco do motorista e pergunta o que ela tem. Robert entra na sua caminhonete e dá partida. O marido também sai com o carro, logo atrás. O sinal fecha. A chuva cai ainda mais forte.

Esse é o grande momento do filme. Francesca tem a última chance, enquanto a luz do semáforo está vermelha, de deixar aquela vida infeliz e ganhar o mundo com Robert. Ela chega a segurar a maçaneta fria da porta do carro, mas falta-lhe forças para abri-la. Robert percebe tudo, resigna-se e (preparem-se) coloca uma corrente com um crucifixo que ela lhe deu de presente presa ao retrovisor, como uma forma de mostrar para Francesca que ela estará para sempre com ele, onde ele for. O sinal abre, ele pega a estrada, ela o acompanha com o olhar até a caminhonete sumir no horizonte. A dor é absoluta.

Muitos anos mais tarde, com a morte de Francesca, seus filhos, já adultos, têm acesso aos diários da mãe, que são deixados como herança. Nestes cadernos, Francesca conta tudo que aconteceu entre ela e Robert (o filme se passa em flash back). Estupefatos, os filhos acabam compreendendo a dimensão daquele amor e reavaliando seus próprios conceitos à medida que leem as anotações. Junto com os diários, havia ainda uma caixa com os pertences de Robert (que foram enviados após sua morte, à seu pedido, à Francesca); um livro de fotografias (único que ele publicou na vida) intitulado “Four Days” e dedicado à sua musa inspiradora; e um pedido da mãe deles para que suas cinzas fossem jogadas do alto de uma das pontes do condado, de onde também foram atiradas, pela própria Francesca, as cinzas de Robert.

Nota: “As pontes de Madison” recebeu uma indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Atriz (Meryl Streep), duas indicações ao Globo de Ouro, nas categorias de Melhor Filme - Drama e Melhor Atriz - Drama (Meryl Streep), e uma indicação ao Cesar, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Ficha Técnica
Título Original: The Bridges of Madison County
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 135 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1995
Estúdio: Warner Bros. / Amblin Entertainment / Malpaso Productions Distribuição: Warner Bros.
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Richard LaGravanese, baseado em livro de Robert James Waller
Produção: Clint Eastwood e Kathleen Kennedy
Música: Clint Eastwood e Lennie Niehaus
Direção de Fotografia: Jack N. Green
Desenho de Produção: Jeannine Claudia Oppewall
Direção de Arte: Jay Hart
Figurino: Colleen Kelsall
Edição: Joel Cox

terça-feira, 25 de março de 2008

A incrível história do bluesman francês que virou sem-teto na Bahia

Foto: Thiago Fernandes
Paris, 1950. Nasce Jean Eugène Mouchère. Ainda garoto, vivia apanhando dos colegas da escola por ter sangue de negro correndo nas veias. Foi diversas vezes expulso das aulas de canto porque a sua voz agredia os ouvidos da professora. Ficou detido durante 11 meses num reformatório por um crime que jura não ter cometido. Viveu nas ruas. Saltou muros de mansões para comer os restos deixados pelos cães. Caminhou durante noites inteiras para não morrer congelado.
Salvador, 1999. Uma menina de 13 anos morre afogada na Baía de Todos os Santos ao tentar chegar a um barco, junto com outras duas garotas de programa, para atender um grupo de clientes que aguardava seus serviços. Fiquei sabendo do episódio ao chegar ao Correio da Bahia, jornal em que trabalhava na época, e dar uma olhada nas manchetes do dia. Fiz o que tinha que fazer até a noite chegar, mas a história, o que a menina provavelmente sentiu quando a canoa alugada começou a afundar, seus possíveis sonhos e mágoas, sua vida vivida e não vivida, não saíam da minha cabeça. Como era uma sexta-feira, resolvi sair pra esquecer.
O destino foi um bar chamado Friday, no Pelourinho, no qual meu então namorado, Fernando Ferraz, me garantiu que estaria rolando um blues fora do comum. Depois de um tempinho de espera, aparece um cara cinquentão, com a maior cara de acabado, balbuciando umas coisas num português quase incompreensível e com uma voz sufocada que mal dava pra ouvir. Foi aí que a mágica aconteceu. Aquele que ninguém acreditava ser o vocalista da banda se transformou num autêntico bluesman, cantando com as vísceras “I'm goin' to kansas City / Kansas City here I come”, delirando no palco improvisado e arrancando aplausos fervorosos do público que ocupava a meia dúzia de mesas do local.
Paris, 1970. Num batismo de fogo ao som de Eddie Cochran, Jean Eugène torna-se Jean Mitchel. Deixou a escola pra trás, montou várias bandas de blues, fez turnês na Espanha e Itália, teve acesso a discos brasileiros e, pouco tempo depois, decidiu partir rumo ao “país tropical e bonito por natureza” incentivado pela célebre canção de Jorge Ben. Já no Rio de Janeiro, passou uma das fases mais difíceis de sua vida, retratada de forma romanceada no livro “Anjos Negros” que ele escreveu dentro de um presídio e o governo da Bahia, através do Programa Faz Cultura, lançou em 2001.
Salvador, 1990. Ao passar numa noite em frente à Cantina da Lua, no Pelourinho, Jean Mitchel ouve uma mistura de jazz e rock'n'roll que lhe chama a atenção e o faz duvidar de que está mesmo na terra do dendê. Foi ver do que se tratava e, mesmo preocupado com o fato de não cantar há quase duas décadas, juntou-se aos músicos responsáveis pelo som - o guitarrista italiano Gini Zambelli e o baixista venezuelano Keko Vilarroel - e pôs-se a evocar James Brown, Robert Johnson, Little Richard, Chuck Berry, Steve Wonder, Otis Reding, Jerry Lee Lewis, George Gershwing e Wilson Picket. Nascia ali a Jean Mitchel Blues Band, aplaudida de pé, inclusive, no Bourbon Street Music Club (São Paulo), por onde já passaram nomes como Buddy Guy, Ray Charles e B.B. King.
Salvador, 1999. Terminado o show, não resisto ao impulso de parabenizar o bluesman que tanto me impressionou. E foi aí que aconteceu uma daquelas coisas que fazem a gente se sentir, no mínimo, dentro de um filme de Almodóvar. Ele sussurrou, com uma expressão abatida, acinzentada, típica de uma fogueira quando se apaga: "Muito obrigado, mas hoje não foi dos meus melhores dias. Estou com o coração partido, destroçado mesmo. Perdi minha filha de 13 anos ontem. Está na capa de todos os jornais". E seguiu em direção ao balcão do bar, resignado, em busca de alguém que lhe pagasse uma cerveja ou lhe cedesse um cigarro.
Epílogo
Nessa época, Jean Michel morava no porão do Friday (“gentilmente cedido” pela dona do bar), alternava duas únicas mudas de roupa e sobrevivia com os trocados que recebia de couvert. Contava os dias pra chegar sexta-feira, pois era o único em que ele podia cantar e garantir o pão do resto da semana. Pra controlar a ansiedade e fazer o tempo passar mais rápido, pintava quadros abstratos com material doado por alguns artistas plásticos do Pelourinho, praticava meditação e fazia anotações para o seu próximo livro, “Luz nas Trevas”, ainda não publicado.
Com o friday cada vez mais às moscas (a vida cultural do Centro Histórico já dava seus primeiros sinais de decadência), a dona decidiu fechar o estabelecimento, não restando outra opção a Jean além de voltar a morar na rua. Pra piorar a situação, ele engravidou uma mulher viciada em crack, que sumia durante dias e deixava o bebê aos seus cuidados. Foi nesse contexto que Jean acabou preso, desta vez, por furto. Assim que deixou a penintenciária, tentou retomar o trabalho com a banda, mas as portas dos espaços alternativos de Salvador estavam ainda mais inacessíveis. Chegou, no entanto, a fazer uma curta temporada no bar Alphorria (Santo Antonio além do Carmo) no verão de 2006 e a participar de um festival de rock em Conceição do Almeida (cidadezinha com pouco mais de 20 mil habitantes, próxima a Santo Antonio de Jesus) realizado no início do ano passado.
Hoje, segundo informações do guitarrista Gini Zambelli, Jean continua sem-teto e internado em estado grave no hospital das Obras Sociais Irmã Dulce por causa de problemas respiratórios . Enquanto seus companheiros de banda aguardam sua recuperação, prosseguem firmes na batalha por novos lugares pra tocar, sendo que a perspectiva mais concreta é um restaurante a quilo no Comércio. Julgamentos morais (que nada têm a ver com o bom e velho blues) à parte, o que o pessoal do Café Portela, Balcão Botequim e Boomerangue está esperando? O maior e mais sensacional cantor de blues que já passou por estas bandas está aqui, doente por não poder viver da sua arte, enquanto os amantes do gênero (que não são poucos na Bahia) sobrevivem à míngua.

Contato: Gini Zambelli (71-8133-2689 ou ginizambelli@terra.com.br)

Participação da Jean Mitchel Blues Band no Recôncavo Rock Festival

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

If Sonic Youth was a Carpenter?

Dias angustiantes, esses. Vontade monstra de escrever sobre várias coisas aqui e uma pilha de trabalho que insiste em se fazer lembrar, gritando que eu não posso me dar a esse luxo neste momento. Com o relógio girando contra mim, só vai dar tempo mesmo de falar rapidinho sobre algo que me impressionou MUITO esta semana.

Conheci uma versão classuda e matadoura de “Superstar”, do Carpenters, feita pelo Sonic Youth, que coloca a original no bolso. Voz sussurante, clima envolvente, um convite à perdição. Responsável por um dos momentos mais marcantes do filme Juno (indie movie da temporada), a versão foi gravada há 14 anos como parte do disco “If I were a Carpenter” - tributo aos irmãos Richard e Karen, famosos nos anos 70 por suas baladas românticas. O disco não é grande coisa, mas esta faixa vale muito a pena. O videoclipe pode ser visto aqui.

E, falando em tributo, nomes como R.E.M., Pixies, Nick Cave and the Bad Seeds e Ian McCulloch (vocalista do Echo & the Bunnymen) se juntaram em 1991 para reverenciar o legado de Leonard Cohen com o disco “I´m your fan”. Entre as canções, estão “So long Marianne”, “I Can´t Forget”, “Chelsea Hotel”, “First we take Manhatan”, “Who by fire”, “Hey, that´s no way to say goodbye” e “Hallelujah”. Releituras bem interessantes, mas nada que possa ser comparado à interpretação sepulcral do grande mentor folk.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Vinho agridoce

Conheço algo que pode te interessar. Coisa fina. Uma mistura de horas mortas, dias pintados de chumbo, gatos à noite nos telhados, lágrimas negras de noites insones, sorriso arrancado como grama, sal que estanca a alma raptada, saudade que estraçalha serenidade, ódio espesso mantendo a calma, vozes ecoando nas estantes, palavras feito encruzilhadas. Junto à poesia contida nesses versos, doses ideais de guitarras dissonantes e com múltiplos efeitos, linhas de baixo navegando em maremotos sem perder o prumo, bateria trovejante e uma voz rasgada, verdadeira e singular. Tudo isso embebido em melodias inspiradas, daquelas que parecem ter nascido conosco, que despertam identificação imediata com algo adormecido, como se já as conhecéssemos de outros mundos. É isso. Apresento-lhes meu entorpecente favorito. Um brinde à Theatro de Seraphin.

Formada por Artur Ribeiro (voz/guitarra), Cézar Vieira (guitarra), J. Wilquens Dantas (Bateria) e Marcos Rodrigues (baixo), a banda acaba de finalizar seu primeiro EP, que contou com a produção de Jera Cravo (Lou) e cujo lançamento oficial pelos selos Big Bross e Atalho Discos acontecerá agora em março, possivelmente na Boomerangue (Rio Vermelho). As seis canções que compõem a obra - "Sombras Chinesas", "Cólera", "Doze por Oito" (predileta desta que vos fala) , "Doralice", "Súbito" e "Tristeza" - no entanto, já estão disponíveis para download na página da banda na Trama Virtual, onde também se encontram outras cinco músicas ("Nada a Fazer", "Arqueiro Cego", "Dionísio", "Na Rota das Estrelas Cadentes" e "Tempestades Risonhas") gravadas no período da primeira formação, que contava com Candido Soto (Cascadura e Banda de Rock) na guitarra. As demais canções registradas nesta fase, a exemplo de "O Mágico de Oz" (com participação da cantora Danny Nascimento) e "Na solidão dos Campos", serão disponibilizadas no mesmo site em breve.

Na ativa há quatro anos, a Theatro já se consolidou como uma das principais bandas de rock alternativo de Salvador devido à competência, talento e determinação de seus integrantes. As apresentações, sempre marcadas pela visceralidade e um certo clima noir, têm atraído um público fiel e chamado a atenção dos desavisados. A banda ficou entre as cinco finalistas da seletiva baiana para o festival Claro que é rock, realizada em 2005 na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, onde dividiu o palco com a banda inglesa Placebo . Também abriu um show de Marcelo Nova no Rock in Rio Café no mesmo ano, juntamente com a banda Koyotes, e participou de diversos festivais locais, sendo o mais recente o Boom Bahia Festival. Apresentou-se ainda em eventos de rock no interior do estado, a exemplo de Bom Jesus da Lapa, Camaçari e Santo Antonio de Jesus.

Com influências de bandas como Doors, Joy Division, Echo & the Bannymen, Smiths e Smashing Pumpkins, utilizadas de forma pessoal e contemporânea, a Theatro traz ainda vestígios inevitáveis da experiência de seus membros em trabalhos anteriores, a exemplo da Treblinka e Cravo Negro (Artur Ribeiro), Brincando de Deus (Cezar Vieira) e Via Sacra (Marcos Rodrigues). A próxima sessão desse vinho agridoce, com direito à músicas novas como "A mente Dança", "Passaporte Mouro", "Atlântico Sul" e a sensacional "Pânico", está marcada para sábado (dia 23), a partir das 18h, na praça Tereza Batista (Pelourinho), onde vai estar rolando a Feira Hype Itinerante, com participação de Vandex e Los Canos. Convite feito, agora é contigo. Embriague-se!!!
Fotos: Lia Seixas






terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Mais que uma soma

É. Coisas acontecem. Estava eu, um dia desses, por acaso, na página de recados de Artur Ribeiro no Orkut, quando me deparei com uma singela imagem da violoncelista carioca Fernanda Monteiro e do músico e produtor baiano Luisão Pereira, feita pela fotógrafa Mbeni Waré. Fernanda, em primeiro plano, abraçada ao seu violoncelo. Luisão, um pouco atrás, acompanhado de uma guitarra. No fundo, uma parede laranja, com uma luz maravilhosa, e ambos com um semblante sereno, típico de quem ajudou a lapidar o mundo, doando o que se tem de melhor.

A imagem era um link para a página no myspace do Dois em Um – projeto belíssimo desenvolvido em casa pela dupla, que costumo definir como melancolia passeando do céu, suspensa por delicados balões de gás. Fernanda surpreendeu a todo mundo, inclusive a si mesma, quando assumiu os vocais e descobriu que, além de dar vida ao cello, podia tocar o coração das pessoas com sua voz macia, doce, suave, mas de muita personalidade, e seu jeito tímido e meigo de cantar, que já lhe renderam comparações à musa da Bossa Nova, Nara Leão. Já Luisão, que também participa com voz, se encarregou dos arranjos e da execução de todos os instrumentos, incluindo guitarras, baixo, violão teclados e programações.

O projeto já conta com cinco músicas, duas delas feitas unicamente por Luisão e outras três em parceria com o compositor e músico Mateus Borba. As canções evocam influências diversas, que vão de Radiohead a João Gilberto, passando por Andrew bird, Stereolab, Massive Attack, Kings of Convenience, Cocorosie, Paris Combo, Air, Belle and Sebastian, Cat Power, Cibelle e Joana Molina, mas sempre com a marca bem pessoal do duo. Adoro todas elas, com destaque para “Eu sempre avisei” - uma mistura de Roberto Carlos com Portishead que me faz perder o ar; e para “E se chover?” - lançada recentemente e cujo arranjo, com direito a metais, xilofone e fanfarra, sem falar da melodia, coloca o Dois e Um no seu momento máximo até agora.

Considero a minha melhor descoberta de 2007. E sou grata a eles por isso.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Essa merece, e muito!

O segundo disco do Cascadura, "Entre", lançado em 1999, tem uma canção que me toca profundamente. Chorei na primeira vez que a ouvi. E assim acontece até hoje. Seu nome: "Mesmo sem merecer". E foi feita por Fábio (claro), tendo como inspiração o livro "O amor nos tempos do cólera", de Gabriel Garcia Marquez.
No último sábado, fui assistir ao show acústico dos caras no Tom do Sabor e voltei ainda mais feliz do que normalmente. Pela primeira vez, vi a música sendo executada ao vivo!!! A reconheci no primeiro acorde de piano, feito por Ricardo "Flash", que participou da gravação do disco. Não acreditei. Fiquei tão louca que quase me joguei do mezzanino!!!

"Posso te dizer como aprender com a solidão
Isso só porque resolvi descer da colina
Onde eu vivo só, cantando em tom menor
Só pro vento soprar pra você
E se a chuva vem, vem te fazer bem, é porque eu pedi
Com a minha canção eu peço ao senhor dos céus
Pra molhar você
Ele faz por amor ao ver minha dor
Em querer tanto bem
Mesmo sem merecer
Cá do alto eu posso até
Mandar o sol ir te queimar
Te sufocar com o tempo
Mas de que isso ia me valer?
Eu prefiro te ver celebrando com o vento
Os dias lindos que eu guardei par te dar
Sem sequer revelar
Que sou aquele que protege o seu lar
E o teu caminhar
O horizonte tem um verde
Que ninguém conseguiu repetir
Rosas pra você os espinhos eu trago
Nos olhos, na boca e nas mãos
É o que a mim restou
E até o fim eu vou
Ter que olhar por alguém que me fez perecer
Mesmo sem merecer"

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Limite Branco

Começo com um trecho do primeiro romance de Caio Fernando Abreu, um dos meus escritores brasileiros favoritos, escrito em 1967, quando ele tinha 18 anos. É denso e ingênuo ao mesmo tempo. Como a porção adolescente que ainda habita em mim : )))

"Não sei como me defender dessa ternura que cresce escondido e, de repente, salta para fora de mim, querendo atingir todo mundo. Tão inesperada quanto a vontade de ferir, e com o mesmo ímpeto, a mesma densidade. Mas é mais frustrante. Sempre encontro a quem magoar com uma palavra ou um gesto. Mas nunca alguém que eu possa acariciar os cabelos, apertar a mão ou deitar a cabeça no ombro. Sempre o mesmo círculo vicioso: da solidão nasce a ternura, da ternura frustrada a agressão, e da agressividade torna a surgir a solidão. Todos os dias o ciclo se repete, às vezes com mais rapidez, outras mais lentamente. E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim".

E por que não?

Como diria Oscar Wilde, resisto a tudo, menos às tentações. E a vontade de ter um troço desses, pra compartilhar com as pessoas que passarem por aqui coisas que despertaram em mim a sensação de encantamento ou acolhimento, vinha crescendo dia após dia. Então aqui está:)