quarta-feira, 30 de abril de 2008

O último blues

Meu querido amigo e bluesman favorito, Jean Mitchell , se foi. A esta altura, desejo que esteja cantando “I feel good” ao lado de James Brown - já que penou durante mais de um mês no hospital das Obras Sociais Irmã Dulce, desde que foi encontrado por uma ambulância do SAMU, desacordado sob um temporal nas ruas do Centro Histórico, onde estava vivendo há meses em situação de indigência.
As lamentações, apesar de inúteis, eu sei, são inevitáveis. Não tinha notícias de Jean há uns dois anos. Penso que, se eu tivesse procurado saber de sua situação atual antes, talvez pudesse ter ajudado a encontrar um lugar para ele ficar, pra ele cantar, sei lá. Mas quando tive a iniciativa de perguntar aos caras da Jean Mitchell Blues Band sobre o seu paradeiro, infelizmente, ele já estava internado.
Ainda tive tempo de visitá-lo três vezes. Nas duas primeiras, ele parecia estar melhorando, chegou a sentar na cama e até cantar comigo algumas músicas do seu antigo repertório. Já no último encontro, percebi que algo estava diferente. Ele parecia distante, desinteressado. Levei uma matéria bacana que o jornal A Tarde havia publicado neste dia sobre ele, mas nem isso o fez retornar.
Poucas horas mais tarde, fui informada pelo Serviço Social da Osid que Jean havia piorado, estando agora em coma induzido e respirando através de aparelhos. A partir daí, passei a me preparar para o pior. E foi o que aconteceu. Ele veio a falecer ontem à noite, às 23h30, vítima de infecção generalizada decorrente de um quadro de hepatite alcoólica e desidratação.
A voz de Jean era algo fenomenal. Vinha das entranhas. Como bem definiu Zezão Castro na matéria de A Tarde, “esbanjava uma vocalize que lembrava Rod Stewart no timbre e Ray Charles no poderio”. Quem o viu no palco, sabe do que eu estou falando. Quem não viu, pode ter certeza que deixou de viver uma das experiências mais sensacionais de sua vida.
Dói saber que nunca mais vou poder vê-lo cantar e que ele morreu por falta de oportunidades. Jean era o melhor e essa Bahia de merda não soube reconhecer seu talento. Dói ter lhe negado os dois cigarros que me pediu, quando perguntei o que ele gostaria que eu trouxesse na próxima visita. Dói ter que parar de escrever para ir ao seu enterro.

P.S. Jean gravou 10 músicas com a banda dele ao vivo em estúdio em 2000, com vários clássicos do blues e do soul. Elas estão disponíveis para download gratuito na página de Jean na Last FM. Basta se cadastrar lá.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

"I want to rock so softly"

Passou pelo meu radar um duo norte-americano bem bacaninha, que lembrou minha adorada Cowboy Junkies e também The Sundays, principalmente pela suavidade de suas canções. Pia e Jason Robbins se auto-intitulam The Comforters e definem o som que fazem como "a piano, a acoustic guitar and lots of trees".

O álbum de estréia, Transplants, foi lançado em 2006 e o segundo está sendo finalizado num estúdio na pequena cidade de Eugene (Oregon), onde o casal vive e tem feito seus shows. A voz de Pia, que canta todas as músicas, é algo entre Aimee Mann (aquela da trilha do filme Magnólia) e Jewel. Algumas faixas do primeiro disco estão disponíveis para download na Last FM.
Não são muito conhecidos, nem mesmo na net. Para se ter uma idéia, o perfil do The Comforters no myspace não chega a 30 mil acessos e a página na Last FM tem pouco mais de 400 ouvintes. Eu mesma só descobri a dupla por acaso, ouvindo a rádio dos artistas parecidos com meu duo favorito, o Dois em Um (já falado em um post exclusivo aqui no blog).
Como principais influências, o casal destaca Wilco, Ron Sexsmith, Nick Drake, The Byrds, Elliot Smith, Brian Wilson, Big Star e Neil Young. Nada mal, né? Dá uma olhada nesses vídeos abaixo! coisa bem caseira, mas de uma beleza só.


E falando na rádio dos artistas parecidos com o Dois em Um, foi lá também que eu achei algo, talvez, tão legal quanto The Comforters: a banda francesa Loons. As únicas coisas que eu sei à respeito até agora é que o som é indie/pop/acústico e que seus integrantes formam, hoje, as bandas "Flowers From The Man Who Shot Your Cousin" e "Cowbird"(que eu também não conheço). No entanto, pelo pouquinho que ouvi, acho que vale a dica.

sábado, 5 de abril de 2008

O preço das escolhas





Nobreza ou covardia? O que leva alguém a abrir mão de um amor daqueles que só acontecem uma vez na vida? Sou uma romântica irremediável e morro toda vez que assisto à cena final de “As pontes de Madison”. Caso você não tenha visto o filme ainda, decida agora se quer mesmo ler esse post, pois não pretendo te poupar de nenhum detalhe magistralmente incluso no desfecho desta obra-prima do cinema.

Há quem ache que “As pontes de Madison” não passa de mais um filme meloso, banal e piegas. Eu, no entanto, o tenho como meu favorito - ontem, hoje e sempre - não só pela carga dramática da história e pela intensidade com que ela é contada, mas, principalmente, pela sensibilidade do diretor, Clint Eastwood, que consegue comover o mais duro dos corações de forma sutil, singela e incrivelmente bela.

No filme, o velho Clint interpreta Robert Kincaid – um fotógrafo da revista National Geografic que chega ao Condado de Madison (Iowa/EUA) para registrar as pontes cobertas do local e, lá, acaba encontrando o verdadeiro sentido de sua existência em Francesca Johnson, uma pacata dona de casa de origem italiana cujos sonhos estavam adormecidos pela rotina de cuidar do marido e dos filhos adolescentes sem ser notada em sua essência.

Nada mais inconcebível, não? Um cara que já rodou o mundo inteiro, que conheceu mil pessoas “interessantes”, que viu tudo e mais um pouco, se apaixonar por uma mulher que, aparentemente, nada tinha a lhe acrescentar. E é aí que está outro grande mérito do filme. Os personagens e diálogos são tão bem construídos que o espectador consegue não só compreender perfeitamente o que está acontecendo, como sentir na pele todo o encantamento que ilumina e toda a angústia que corrói os protagonistas.

Na manhã em que Robert chega ao condado, Francesca está só. O marido e os dois filhos do casal foram participar de uma exposição de animais num condado vizinho e só voltariam quatro dias depois. Robert tem dificuldade de encontrar uma das pontes que foi fotografar e resolve pedir informação a uma das poucas almas vivas que encontrou no local – uma senhora de meia-idade, de cabelos desgrenhados e aparência cansada, que varia a varanda de casa.

Francesca não tarda a cair de amores por aquele homem charmoso, gentil, divertido, que a enxergava como um raio de luz por entre as árvores secas. Os dois acabam se envolvendo. A leveza do começo, no entanto, vai dando lugar a um tormento crescente. Eles sabiam que, enquanto o amor se agigantava, o tempo que tinham para ficar juntos era cada vez menor. Francesca, no auge de sua insegurança e desespero, agride Robert, dizendo que ele vai esquecê-la assim que deixar o Condado e receber uma nova pauta da revista, enquanto ela terá que viver das lembranças daquele amor até o fim dos seus dias naquele lugar onde nada acontecia. Nesse momento, ele olha no fundo dos olhos dela e acaba de vez com qualquer resquício de dúvida, respondendo com a voz embargada e absoluta convicção: “Como assim? Tenho certeza de que tudo que eu vivi até hoje só aconteceu pra que eu chegasse aqui”.

Quatro dias se passaram. A família de Francesca está prestes a chegar. Robert hospeda-se numa pousada, enquanto aguarda a decisão da mulher da sua vida. Partirá com ele sem olhar para trás ou ficará com o marido e os filhos para poupá-los das consequências desse abandono? “Eles não sobreviveriam à fofoca. E eu, à culpa”, disse ela, numa de suas conversas com Robert sobre a possibilidade de fugir.

Extremamente abatido, com o coração em frangalhos, Robert desiste de esperar e resolve ir embora. Na saída da pousada, sob uma forte chuva, ele vê Francesca dentro de um carro estacionado, no banco do carona. Ela também o vê. Ele permanece sob a chuva durante alguns segundos, de pé, de frente para o carro, olhando-a fixamente. Ela chora. O marido chega com as compras, senta-se no banco do motorista e pergunta o que ela tem. Robert entra na sua caminhonete e dá partida. O marido também sai com o carro, logo atrás. O sinal fecha. A chuva cai ainda mais forte.

Esse é o grande momento do filme. Francesca tem a última chance, enquanto a luz do semáforo está vermelha, de deixar aquela vida infeliz e ganhar o mundo com Robert. Ela chega a segurar a maçaneta fria da porta do carro, mas falta-lhe forças para abri-la. Robert percebe tudo, resigna-se e (preparem-se) coloca uma corrente com um crucifixo que ela lhe deu de presente presa ao retrovisor, como uma forma de mostrar para Francesca que ela estará para sempre com ele, onde ele for. O sinal abre, ele pega a estrada, ela o acompanha com o olhar até a caminhonete sumir no horizonte. A dor é absoluta.

Muitos anos mais tarde, com a morte de Francesca, seus filhos, já adultos, têm acesso aos diários da mãe, que são deixados como herança. Nestes cadernos, Francesca conta tudo que aconteceu entre ela e Robert (o filme se passa em flash back). Estupefatos, os filhos acabam compreendendo a dimensão daquele amor e reavaliando seus próprios conceitos à medida que leem as anotações. Junto com os diários, havia ainda uma caixa com os pertences de Robert (que foram enviados após sua morte, à seu pedido, à Francesca); um livro de fotografias (único que ele publicou na vida) intitulado “Four Days” e dedicado à sua musa inspiradora; e um pedido da mãe deles para que suas cinzas fossem jogadas do alto de uma das pontes do condado, de onde também foram atiradas, pela própria Francesca, as cinzas de Robert.

Nota: “As pontes de Madison” recebeu uma indicação ao Oscar, na categoria de Melhor Atriz (Meryl Streep), duas indicações ao Globo de Ouro, nas categorias de Melhor Filme - Drama e Melhor Atriz - Drama (Meryl Streep), e uma indicação ao Cesar, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Ficha Técnica
Título Original: The Bridges of Madison County
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 135 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1995
Estúdio: Warner Bros. / Amblin Entertainment / Malpaso Productions Distribuição: Warner Bros.
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Richard LaGravanese, baseado em livro de Robert James Waller
Produção: Clint Eastwood e Kathleen Kennedy
Música: Clint Eastwood e Lennie Niehaus
Direção de Fotografia: Jack N. Green
Desenho de Produção: Jeannine Claudia Oppewall
Direção de Arte: Jay Hart
Figurino: Colleen Kelsall
Edição: Joel Cox